quinta-feira, 14 de março de 2024

Relatório alerta para os perigos da adoção, sem regulação adequada, da Inteligência Artificial nas escolas

Acaba de ser publicado relatório crítico importante intitulado Time for a Pause: Without Effective Public Oversight, AI in Schools Will Do More Harm Than Good, de autoria de Ben Williamson, Alex Molnar, and Faith Boninger (link apra acesso do texto completo). No texto, os autores indicam as diversas qualidades das interfaces de IA generativa, mas alertam para a pressão mercadológica e para o modo aligeirado e pouco crítico com que empresas e setores dos poderes públicos tem promovido e praticado a introdução dessas tecnologias no contexto da escola formal: "O peso das evidências disponíveis sugere que a atual adoção generalizada de aplicações não regulamentadas de IA nas escolas representa um grave perigo para a sociedade civil democrática e para a liberdade e a liberdade individuais. Anos de alertas e precedentes realçaram os riscos colocados pela utilização generalizada de tecnologias digitais pré-IA na educação, que obscureceram a tomada de decisões e permitiram a exploração de dados dos alunos", alertam.

Os autores analisam que: "apesar dos riscos de levar tecnologia não testada às salas de aula e da falta de critérios de implementação ou controles regulatórios, as escolas enfrentam uma pressão implacável para “modernizar” adotando a inteligência artificial. Embora os aplicativos de IA sejam comercializados como formas de resolver problemas de ensino e aprendizagem e agilizar os processos administrativos escolares, eles carregam consigo todas as limitações, problemas e riscos inerentes aos modelos de IA utilizados para executá-los. Levar a IA às escolas aumenta a probabilidade de que essas tecnologias possam reproduzir ou intensificar muitos problemas, tornando qualquer benefício potencial menos significativo do que os danos potenciais.

Duas aplicações fortemente promovidas ilustram os perigos da adoção acrítica da IA em escolas: tutoria de chatbots, baseados em grandes modelos de linguagem, que prometem personalizar e automatizar o ensino; e plataformas de aprendizagem adaptativas, que utilizam grandes quantidades de dados dos alunos para fazer previsões, personalizar recursos e atividades em sala de aula e auto-intervir automaticamente nos processos pedagógicos. Os perigos que tais produtos representam incluem demandar aos professores mais tempo do que poupam, restringindo artificialmente a definição de “aprendizagem”, marginalizando a experiência dos professores e o relacionamento com os alunos, introduzindo erros curriculares e aumentando o preconceito e a discriminação nas salas de aula e nas escolas".

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Novo livro sobre como os computadores entraram nas escolas européias a partir da década de 1960

 

Foi publicado no ano passado obra de referência intitulada How Computers Entered the Classroom, 1960–2000 e que resgata importantes elementos sobre a introdução de computadores em escolas de alguns países da Europa, como França, Suécia e Alemanha (link para acesso ao download do livro).

Segundo os editores, "os estudos de caso destacam diferenças no poder político e econômico, bem como no raciocínio ideológico e nas prioridades estabelecidas por diferentes atores no processo de introdução de computadores na educação. No entanto, as contribuições também demonstram que narrativas simples da Guerra Fria não conseguem capturar as complexas dinâmicas e emaranhamentos na história dos computadores como tecnologia educacional e conteúdos curriculares nas escolas. O volume editado fornece, assim, uma compreensão histórica abrangente do papel da educação em uma sociedade digital emergente".

Um elemento comum identificado pelos autores foi o importante papel desenvolvido pelas associações e redes de docentes entusiastas dos diversos países na Europa, mas também nos EUA, em abrirem o mercado e criarem padrões e justificativas para o uso das tecnologias educacionais na educação e na formação de professores, o que muito facilitou o trabalho de marketing da indústria de computadores. Ao contrário do projeto inicial de que computadores permitiram a individualização da aprendizagem - e os ganhos daí advindos -  os autores argumentam que o motor principal da disseminação estava na crença de computadores como ativos econômicos no contexto da escola. 

Curiosamente, os autores também identificaram uma ruptura na trajetória de desenvolvimento dessa ações com a chegada e a popularização da internet na década de 1990, argumentando que as atividades passadas foram esquecidas em detrimento da urgente necessidade de conectar os computadores à rede digital. Alguns capítulos também analisam o papel das organizações UNESCO e OCDE nesse processo, mas também dos fornecedores locais que disputaram e conquistaram o novo mercado. 

O livro traz à tona também a lembrança de uma obra muito difundida na década de 1990 intitulada Oversold and underused: computers in classroom (link), em que o autor Larry Cuban fazia duras críticas aos altos investimentos na compra de computadores para escolas nos EUA sem um uso apropriado dos equipamentos e com resultados pífios para a melhoria das aulas e da aprendizagem escolar naquele país.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

A vertiginosa ascensão e queda da plataforma indiana BYJU's

Artigo recente relata parte da história e sérios percalços recentes enfrentados pela plataforma educacional BYJU's (link para acessar o texto). A empresa, fundada em 2011 por, um casal de educadores indianos, apresentou crescimento espantoso mirando primeiramente o enorme mercado interno da India para treinamento em concursos de admissão semelhantes aos ENEM brasileiro. Posteriormente, ampliou conteúdos e cursos para todos os níveis escolares e ensino superior e para telefones celulares. 


A partir dai passou a construir uma atuação global que incluiu práticas predatórias em uma série milionária de aquisições de outras 17 edtechs na casa dos 300 e 400 milhões de dólares cada, totalizando investimentos de cerca de 5 bilhões de dólares. O agressivo crescimento incluía até a contratação do jogador Lionel Messi para garoto propagada. Planos muito ambiciosos que começaram a naufragar recentemente, quando a agressividade comercial da empresa começou a gerar desconfiança generalizada, o que incluiu a retirada de alguns investidores do Conselho Diretor da empresa e até a invasão da sede da empresa pelo Ministério de Assuntos Corporativos da Índia.  A empresa pode ter sua falência decretada nos EUA e enfrenta investigação criminal na Índia. Um enredo de filme que, de fato, já tem até proposta de nova minissérie para a plataforma Netflix...

Os autores do artigo concluem: "O BYJU's é um lembrete doloroso de que atalhos e farras de gastos não constroem negócios duradouros. A educação é um mercado enorme, mas a integridade ética e o foco no sucesso dos alunos devem continuar a ser princípios orientadores. Esperançosamente, as cinzas da BYJU serão usadas para instruir e fertilizar a próxima geração de líderes de edtech focados na criação de valor real, não apenas no hype".

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Nova análise sobre telefones celulares nas escolas

Estudo recente de pesquisadores britânicos (link para acesso) baseado em um nova análise dos dados do PISA de 2022 (que abrange quase 700 mil estudantes de 81 países) sugere que a proibição de telefones celulares nas escolas leva a um desempenho menor nas pontuações dos alunos nos testes do PISA.  Ao se referirem ao contexto específico do Reino Unido, os pesquisadores concluíram: "No lançamento dos dados do relatório [PISA] de 2022 no Reino Unido, a OCDE, embora um tanto equivocada, apresentou evidências a favor da proibição dos telemóveis, com base em dados de distração dos estudantes. Por outro lado, apresentamos uma conclusão curiosa e contraditória de que, quando o gênero, a classe social e o comportamento escolar são controlados, os alunos em escolas com proibição de telefone têm um desempenho inferior nas pontuações dos testes PISA do que aqueles em escolas que permitem a utilização do telefone".

Diante de tantas variáveis envolvidas no processo de aprendizagem escolar, o resultado não deveria causar tanta surpresa, pois a história das pesquisas sobre tecnologias digitais na escola tem demonstrado impactos de relevância bastante moderada -- seja positiva ou negativa -- nos resultados da aprendizagem dos alunos mensurada por testes padronizados. Mais importante é investigar e compreender o que significa, em termos sociais e políticos, a nova onda de proibição do uso de telefones nas escolas em países diversos, inclusive no Brasil, e que não tem relação direta com a tecnologia digital, mas sim com relações de poder de tom mais conservador e retrógrado, como reforço de disciplina na escola, etc.