segunda-feira, 25 de maio de 2020

Quatro problemáticas das tecnologias digitais e da educação a distância no contexto emergencial do Covid-19


Em excelente editorial do periódico Learning, Media and Technology de 21 de maio,  os editores britânicos Ben Williamson, Rebecca Eynon e John Potter elaboram 4 problemáticas das tecnologias digitais e da educação a distância no contexto emergencial do coronavírus: a economia política da pedagogia da pandemia, as desigualdades digitais, os novos espaços-tempos e hierarquias da pedagogia e as experimentações emergentes com as tecnologias educacionais. Os pesquisadores alertam para o fato de que "política pandêmica agora está se desenrolando através de tentativas de incorporar sistemas e práticas de educação pública, em âmbito internacional, em sistemas tecnológicos cada vez mais poderosos" e incentivam renovadas pesquisam que examinem essas práticas e seus efeitos" e alertam para a necessidade do exame detalhado e cuidadoso dos efeitos e consequências dessas práticas. O artigo completo está disponível neste link.


Ao analisarem as quatro problemáticas, os editores se baseiam em alguns estudos prévios e alertam para o forte caráter de oportunidade de negócios que a indústria das tecnologias educacionais tem imprimido ao período da pandemia e para a necessidade de sérios cuidados diante da expansão de sistemas nacionais de educação pública para essas plataformas comerciais online adentrando as casas dos estudantes com destaque a organismos internacionais como Unesco e Banco mundial nesse cenário em rápida transformação e disputas entre EUA e china também neste cenário. Alertam também para a fragilidade da retórica entorno dos nativos digitais e das muitas dificuldades de jovens em se manterem aptos da fazerem bom uso das tecnologias digitais para a aprendizagem, levantando a pergunta sobre o nível adequado de acesso digital e como jovens e famílias podem receber o suporte necessário para estudar em casa de forma sustentável e duradoura e os riscos imprevisíveis gerados pela ampliação do acesso.
Ao ratarem da terceira problemática citada, cunham o termo Bring Your Own School Home (BYOSH) (algo como: traga sua própria escola para casa) alertando para as múltiplas e exaustivas interferências com rotinas domésticas e familiares daí advindas da polissincrona aprendizagem remota e potencial sobrecarga cognitiva de professores, alunos e pais. Apontam para a terceira via do que nomeiam "Tecnologias de convívio".  "Aqui, poderíamos invocar a noção de práticas que remetem ao poder, em que a direção do fluxo não se trata de "conteúdo" sendo entregue a jusante pelo algoritmo, mas de espaços mais abertos, agentes e produtivos para alunos e educadores", afirmam os editores. No que se refere à última problemática, a da experimentação atual com tecnologias educacionais no universo de 1,5 bilhões de estudantes do planeta, apontam para o surgimento de grandes bases de dados sobre eficácia dessas tecnologias e os ricos de precarização do trabalho dos educadores, acentuando o fortalecimento das práticas de dataficação e massificação, através da significativa ampliação dos usos das tecnologias em rede, na área educacional. "À medida que milhões de estudantes se inscrevem em novas plataformas para poder acessar a educação durante a pandemia, é necessário trazer de volta ao foco as preocupações de longa data sobre privacidade de dados e o uso de dados para caracterização e controle dos alunos", concluem.






sexta-feira, 22 de maio de 2020

A boa alternativa das interfaces digitais livres em tempos de pandemia


As atividades escolares remotas em tempos de pandemia do Covid-19 levaram muitas pessoas, inclusive crianças, a utilizarem novas interfaces digitais para atividades diversas na internet. Um aspecto desse uso refere-se aos riscos envolvidos, como a exposição a conteúdos inadequados e a ausência de garantias de privacidade das trocas comunicacionais (a plataforma Zoom, por exemplo, admitiu que conteúdos de conversas foram vazados antes de promover melhorias tecnológicas no serviço). Além disso, os serviços comerciais, em sua grande maioria, coletam dados de uso dos usuários para fins comerciais, constituindo práticas de vigilância eletrônica em rede (para mais detalhes sobre essa problemática, ver este artigo no link).


Uma alternativa recomendada hoje são aquelas interfaces e serviços desenvolvidos segundo a filosofia colaborativa e aberta do software livre, que privilegia o usuário e sua liberdade em detrimento do desenvolvedor do produto, ou seja, os interesses mercadológicos da empresa de software. Em resumo, como esses softwares são desenvolvidos em equipes autônomas e possuem seus dados computacionais abertos (o que é tecnicamente chamado de código-fonte aberto), qualquer desenvolvedor ou interessado poderá acessá-lo e verificar suas formas de funcionamento, como os mecanismos de coleta de dados de usuários, se houver – ao contrário do que acontece com a enorme maioria dos produtos comerciais fechados hoje disponíveis na internet. Em geral essas interfaces, quando trazem termos e condições de uso, o fazem de forma mais transparente.

Há produtos desse tipo que são conhecidos por uma parcela da população, dentre eles os sistemas de mensagens instantâneas Signal e Q-municate, o navegador para internet Tor, o buscador para internet DuckDuckGo e serviços de e-mail, em geral sediados em países europeus, como o Posteo, da Alemanha, e o Openmailbox, da França. 

Para a realização das aulas remotas que têm acontecido atualmente, existem diversas plataformas para webconferência (comunicação instantânea em tempo real por chamada de vídeo e audio para diversos usuários conectados à internet, compartilhamento de arquivos, etc.) que operam nessa mesma sistemática, como a RocketChat GDPR, a Zulipchat e o Jitsi, dentre outras e estão disponíveis para computadores, tablets e telefones celulares. O Tox é totalmente criptografado. O Moodle é o ambiente virtual de aprendizagem mais difundido no mundo, é gratuito e opera segundo os princípios do software livre.

Ao clicar no nome de cada empresa ou software proprietário, você verá alternativas livres que adotam diretrizes e práticas mais claras sobre a privacidade e segurança dos usuários neste link 
Segue um breve lista de interfaces e serviços livres, ou seja, em código aberto o que permite verificar seu modo de funcionamento pelo exame do código-fonte aberto:

AVA Moodle (inclusive com interface para dispositivos móveis): https://moodle.org/?lang=pt_br

Buscador para internet DuckDuckGo: https://duckduckgo.com/

Navegador para internet TOR:https://www.torproject.org/pt-BR/download/

Conferências e vídeo chamadas sem login (porém, sem criptografia ponta a
ponta):
 * Jitsi do Systemli: https://meet.systemli.org/
 * Jitsi do Autistici/Inventati: https://vc.autistici.org/
 * Jitsi do Mayfirst: https://meet.mayfirst.org/
 * Jitsi do Immerda: https://meet.immerda.ch/

Elaboração de textos de forma compartilhada:
 https://pad.systemli.org/
 https://pad.riseup.net/
 https://framapad.org

Compartilhamento temporário de arquivos (100mb max, expira em 1 semana)
 https://share.riseup.net/

Outros serviços comunitários (mapas, formulários e muito mais):
 https://framasoft.org/en/


quarta-feira, 20 de maio de 2020

O conhecimento científico e as práticas educacionais híbridas emergentes

Apesar dos valorosos esforços de educadores de todas as latitudes engajados na busca de soluções para os atuais problemas da educação não-presencial, percebe-se certa fragilidade de práticas implementadas, algumas reproduzindo problemas da educação presencial. Muitas carecem de conhecimentos científicos e ganham espaço movidas por interesses comerciais diversos e que nem sempre priorizam a qualidade do processo formativo dos estudantes. Dois documentos são muito úteis nesse momento não apenas para embasarem práticas educacionais tradicionais e emergentes, mas também para alertarem para a fragilidade do conhecimento científico disponível sobre algumas ações pedagógicas, especialmente sobre os modelos híbridos -- a união do presencial com o on-line -- de ensino (o blended learning). 

O primeiro documento que tem muita utilidade é da área de educação a distância (EaD) e intitula-se What works in distance learning (O que funciona na educação a distância) editado pelo professor Harold F. O’Neil da University of Southern California. Foi divulgado pela primeira vez em 2003 e, anos depois, deu origem a um livro com o mesmo título que se encontra disponível para venda na internet. Esses conhecimentos não devem ser transferidos automaticamente para práticas híbridas (ainda que possam iluminar algumas delas) e muitos não se aplicam a crianças. Referem-se a práticas tradicionais de EaD com adultos. O documento, em inglês, pode ser acessado neste link

O relatório traz informações em tópicos com diretrizes de ações sobre cinco esferas da educação a distância: formas de instrução, uso de multimídia, estratégias de aprendizagem, gestão e  avaliação. Cada tópico foi desenvolvido por especialistas na área e contém dados assim organizados: explicações gerais e técnicas sobre a diretriz apresentada, a origem da diretriz e o seu grau de confiabilidade com base em resultados de pesquisas científicas, comentários (citando estudos prévios que sustentam a diretriz), referências, glossário e usuários a que se destina. 

Por exemplo, no capítulo 2 o pesquisador Richard Clark afirma que "[em um curso a distância] à medida que o controle, a liberdade do estudante aumentam, o aprendizado diminui, exceto por um número muito pequeno dos estudantes mais avançados". Ou seja, "quando os cursos a distância estabelecem o sequenciamento, as estratégias de aprendizagem durante a instrução e permitem apenas o controle mínimo do estudante sobre o ritmo, então, exceto os alunos de alta performance, o aprendizado irá aumentar". O documento informa que a diretriz é baseada em "pesquisas" e que o grau de confiança na afirmativa é "alto". Em seguida, no tópico "Comentários" do relatório, o pesquisador explica a diretriz: "... Uma revisão abrangente e meta-análise de muitos estudos de controle de alunos [...] relataram um impacto negativo geral [do excesso de controle]. Esse impacto negativo se estende a estudos em que os alunos foram autorizados a selecionar a quantidade de controle que exerceram ao longo do curso [...] ". O tópico segue indicando os estudos que baseiam a diretriz e traz um glossário com explicações sobre conceitos utilizados e uma lista dos artigos científicos cujos estudos embasam a diretriz proposta. Em resumo, a diretriz informa que um bom curso a distância deve ter atividades bastante estruturadas, conter instruções claras e objetivas sobre o que o estudante precisa fazer e como deve fazer.

O outro documento de referência, intitulado Preparing for the Digital University, trata da digitalização das universidades e centra-se nos cursos massivos on-line conhecidos como MOOCs. Foi produzido por pesquisadores renomados sob a coordenação de George Siemens e financiado pela fundação mantida por Bill Gates e sua esposa. O documento se divide em 4 capítulos -- um deles sobre o ensino híbrido -- em que são apresentadas revisões sistemáticas dos principais estudos científicos desenvolvidos e conclusões sobre o "estado da arte" do conhecimento, muitos deles ainda válidos hoje. Acesso ao documento completo neste link.

Destaca-se o tópico sobre ensino híbrido, prática que se anuncia como importante hoje diante das dificuldade da pandemia para a reabertura das escolas e universidade e altos riscos de agravamento do contágio e mortes pelo Covid-19. No que se refere, portanto, ao tópico do ensino híbrido, as conclusões com bases em conhecimentos científicos são pouco alentadoras, pois o conhecimento é frágil e recomenda cautela. A seguir reproduzimos trecho traduzido do documento com conclusões apresentadas pelos pesquisadores: 

"Primeiro, as conclusões dos estudos de eficácia concluem que a combinação de modelos instrucionais presencial e online tem um efeito mais alto no desempenho acadêmico do aluno do que qualquer um dos modelos independentes. No entanto, até o momento, existem evidências limitadas sobre quais métodos específicos de mesclagem afetam positivamente o desempenho acadêmico. Segundo, as práticas instrucionais recomendadas refletem as melhores práticas existentes desenvolvidas nos modos online e presencial, com forte dependência do online/EaD. O (re)design do curso mantém seu foco em abordagens que ajudam a capitalizar os benefícios percebidos desses modos de entrega separados, por exemplo, a presença social aprimorada e a construção de relacionamentos através dos modos presenciais (Rovai & Jordan, 2004; Shea & Bidjerano, 2013), e o controle do aluno e a flexibilidade de acesso através dos modos online (Graham, 2013). Terceiro, o campo de pesquisa se apóia fortemente nos conceitos desenvolvidos na educação online/EaD, enquanto não possui suas próprias teorias para abordar a própria mistura [o modelo híbrido]. Consequentemente, apesar da abundância de relatos individuais de experiências combinadas, há uma falta de pesquisa empírica da especificidade do modelo híbrido para refinar as lentes teóricas específicas da combinação presencial-online.

Essa dependência dos dois modos de entrega (presencial/online), que deu origem ao modelo híbrido, resulta em poucas evidências sobre a real combinação dos dois modelos - um conjunto diversificado de práticas com o potencial de superar o status de um modo de entrega combinado para se tornar um método pedagógico eficaz. Embora as escolhas por trás da pedagogia estejam altamente relacionadas ao desenvolvimento do processo de aprendizagem, na verdade existem poucas evidências sobre o aprendizado nas práticas da aprendizagem híbrida. Apesar de existirem projetos de pesquisa complexos e com diversas nuances, estudos recentes sobre a eficácia da aprendizagem híbrida se enquadram na categoria "pesquisa de aprendizagem de superfície" (Ross & Morrison, 2014), pois não mostram o efeito de vários tipos de aprendizagem, mantendo o foco apenas na performance dos estudantes e em seu desempenho acadêmico. Além disso, as práticas instrucionais mal abordam as interações entre os alunos e o conteúdo, e o papel do professor tem sido negligenciado. Finalmente, a pesquisa não adota teorias que unam sinergicamente o aprendizado que ocorre entre a conexão do físico com o virtual.

A pesquisa sobre a aprendizagem híbrida forneceu algumas evidências de que certos tipos de tecnologia são mais propícios à aferição de resultados de aprendizagem, o que traz o meio [a tecnologia, a mídia] de volta à conversa sobre aprendizagem e pedagogia (Clark, 1983; Kozma, 1991, 1994). Além disso, o desenvolvimento de recursos tecnológicos e da onipresença tecnológica em algumas partes do mundo sugere que a tecnologia digital pode ajudar a estender os processos informais de aprendizagem, tanto social quanto cognitivamente. Em outras palavras, além de diminuir a distância psicológica entre os participantes separados [fisicamente] no processo de aprendizagem, apesar de sua proximidade percebida (Thompson, 2007), as atividades pedagógicas mediadas pela tecnologia precisam se adequar ao que essa tecnologia pode propiciar.

Em suma, com base nas evidências sintetizadas neste relatório, argumentamos que insights mais profundos e focados na aprendizagem digital - ou seja, a aprendizagem mediada por vários métodos tecnológicos de transcender o espaço físico e virtual - permitiriam que os praticantes da aprendizagem híbrida fizessem melhores escolhas pedagógicas. Além disso, relatos mais detalhados das práticas da aprendizagem híbrida, tanto por administradores quanto por pesquisadores, ajudará nosso entendimento das nuances da aprendizagem híbrida para além do aspecto que se refere ao modelo de instrução que combina elementos do presencial e do online. Por fim, o foco na interação entre processos de aprendizagem e recursos tecnológicos permitiria que os pesquisadores da aprendizagem híbrida reformulassem suas investigações de maneira a levar a um amadurecimento adicional do campo" (páginas 83 e 84 do relatório).

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Técnica de Rastreamento Ocular Revela Estratégias de Alunos de EaD

A Revista Brasileira de Educação Aberta e a Distância acaba de publicar o artigo Técnica de Rastreamento Ocular Revela Estratégias de Ações Múltiplas e não Lineares de Navegação Virtual de Alunos de EAD no AVA e na Internet. O estudo integra projeto de pesquisa do Grupo LER e foi parcialmente financiado pelo CNPq. A coleta dos dados foi conduzida com alunos da parceria UFC-UAB e contou, dentre outras, com a técnica do rastreamento ocular - inédita nesta área da educação - e que compreende a documentação e a análise dos movimentos dos olhos dos alunos enquanto estudam com o computador. Isso gerou uma base de informações com dados altamente precisos, detalhados e confiáveis sobre as ações dos alunos de EaD quando estudam. Clique aqui para acessar o artigo.
Algumas conclusões do estudo foram: "Ao navegar no AVA, em geral, os alunos não seguiram a sequência linear do ambiente e, especificamente nas páginas das Aulas, desprezaram alguns elementos imagéticos e hipertextuais por considera-los dispensáveis à aprendizagem. Os dados analisados originaram duas categorias de navegação virtual: simples, em que os alunos se concentram na navegação no AVA; e complexas, na qual os alunos percorreram trilhas diversas e acessaram websites, blogs, arquivos na rede e ampliaram os conteúdos disponibilizados no AVA. Isso gerou, em alguns casos, perda de foco na tarefa e dificuldades na compreensão de conceitos. Ressalta-se a ação autônoma do aluno de EaD ao formular e executar estratégias de navegação adequadas a seus objetivos de estudo, às características do AVA e aos materiais de estudo, visando realizar atividades programadas e aprender".